Condomínio

Conto

O condomínio todo tem que estar impecável, guias pintadas, asfalto varrido, nem uma folha solta nos gramados. Especialmente nessa hora, quando começam a sair.
O vento joga um ramo amarelo na cabeça do cavalo branco. Não dá tempo de eu tirar. O Chrysler preto do Bicudo sai primeiro. Reparou. Manda parar bem na vigia. Abre o vidro e me ordena retirar o galho.
Tenho vontade de sair, encostar o cano na testa e dizer “fala, tô ouvindo”. Mas só rio, imaginando.
“Sim, senhor. Já acionei a limpeza” — respondo no microfone. Ele resmunga de novo, sobe o vidro e segue.

Por agora tudo calmo.

O motorista dele é nosso. Vou saber o que ele disse.
Saem os carros desse horário. As domésticas fazem fila na cancela. Confiro na câmara. Cada uma, frente e trás pra revista. Não entra nada sem eu saber. Bolsa no sensor. Se apitar não chega na patroa. Sair com bagulho de valor, eu que autorizo. Ou não. Se tem esquema, ou é nosso ou não é. A nova do 153 demorou pra entender. Tive que despachar.
Saem os carros que tem que sair.

Normal pro horário.

As nove sai o porche conversível do cara de sapo. É o “filho” dele. De vestido e chapado, grita ao celular que tem que voltar antes que o “papi” saiba. Buzina um até logo. Ele quer que eu escute. Não preciso. Tenho o áudio da sua unidade. O cara de sapo morre de ciúmes do viadinho. Quer saber quem paga a gasolina. Porque eles não podem. O porche é fachada. Não tem grana pra morar aqui. Alguém tá bancando eles. O cara de sapo tá no governo. São de algum esquema. Ainda descubro qual. E peço a minha parte. Se não descobrir, passo os dois longe daqui. E vejo quem aparece.

Tá difícil tocar um condomínio. Cada vez mais gente do esquema pesado. Não vem só empresário, família de bem, que se cagam de medo de perder o patrimônio. Esses eu toco fácil. Um assalto fora daqui, arma na cabeça, um tiro na lataria e pagam direitinhoo pra viverem seguros dentro do condomínio. Mansinho. Sem matar, sem polícia, só no susto. E ainda fazem propaganda do condomínio pros parentes que aqui é o melhor lugar do mundo. Enquanto pagar, fica mesmo.

Mas munição, câmera, escuta, soldado, armamento, custa caro.

Não pode é identificar um de nós. Se um consegue, fechou pro recruta. Encara o teatrão, cadeia a vera e depois sai, diz que rápido, se pagar. A empresa não pega nada, que eu já pago o fixo. Mas tem que mudar de marca, de logo, trocar documento, um saco.
Mas é o negócio que eu tenho. Demorou quebrar as imobiliárias. Uns frangos. Agora trabalham pra mim.

Mas gavião come cobra. Com a empresa aqui, proteção calibre grosso, tudo monitorado, câmara e microfone oculto até em telhado, eles aproveitam pra esconder os esquemas quentes, grana muito alta, desvio, corrupção, tráfico.
E aí mora o perigo.

Como é que eu assusto essa gente?
Eles tem mais medo é de ser preso sem dinheiro. Tão no esquema, mas não controlam. Tem a polícia, até a Federal na colaboração. Só temem a concorrência.
Fico no fogo cruzado. E não posso vacilar. Se descubro o esquema me alinho, fecho com o mais forte. Cuido das crianças deles. E ainda vigio.

Mas encaro os outros.

É o risco do negócio. Esses nasceram no esquema. Corruptos até a alma. Jogam com a familia toda, tem filhas no jeito, pega fácil um soldado, descobrem quem sou, viram o jogo e me enquadram.

Então fixo a regra no vidro blindado da guarita “Não saia sem apoio”, para que o próximo na escala não esqueça. Fora da guarita é risco. O teto de uma caminhonete esconde um sniper. Pode vir de um telhado, de um veículo.
E drone agora mata.
Instalei rede de interceptação eletromagnética em volta, pra tentar impedir.

E já aumentei o condomínio.

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